junho 13, 2008

Emílio Remelhe_



Sem título
[Janela, Convento Corpus Christi, fachada Norte], 2005



Diz Umberto Eco que "o autor não deve interpretar, mas pode explicar porquê e como escreveu".
Este exercício foi realizado no contexto de uma ideia-chave aglutinadora de diversas unidades de trabalho, o binómio Polimento-Desgaste.

zero
O exercício teve lugar no Convento Corpus Christi. Uma operação de manutenção da fachada do edifício concentrou-me na janela do atelier simulado. A janela foi lavada com jacto de água e a pressão gerou infiltrações, inundando, no interior, o parapeito. Da evaporação da água restou o depósito dos resíduos. A diversidade de ocorrências, memórias, começaram a disputar a enunciação (marcas inerentes à morfologia, à localização, à nomeação, etc). Num segundo momento, reuni alguns dados sobre o significado e raíz etimológica da palavra janela [na língua portuguesa, janela, lexema oriundo da língua latina (januella) é abreviatura de porta (janua); curiosamente, a palavra que no latim exprime o conceito de janela com as marcas semânticas que lhe determinamos é fenestra e resultou, no português, em fresta (abertura estreita em parede; fenda); noutra via, a pertinência do lexema window, etimologicamente relacionado com vento (wind) - esta janela está localizada na fachada Norte do edifício]. Tenho vinculado, recorrentemente, os termos da acção às redes lexicais e respectivas teias conceptuais. Entretanto, ganhou visibilidade o plano da acção em si mesmo, como reacção à ocorrência que despoletara este processo: a devolução (tão prosaica quanto metafórica) dos resíduos à origem. Para os fixar, pensei num material de uso corrente, na fita autocolante. Na marcação recorri ao sinal "x", marcado por uma grande dispersão em diferentes âmbitos de utilização (gráfico, alfanumérico; usado, nomeadamente, na construção civil - simples ou composto, mediante desenho ou colagem - para sinalizar a presença de vidros recém instalados.

um
A acção teve a duração de vinte minutos e organizou-se na concatenação dos seguintes actos mediados: subir a mesa > agarrar a fita > desenrolar a fita > rasgar a fita (com os dentes caninos) > pousar o rolo de fita na mesa > colar a fita sobre o parapeito recolhendo detritos > transportar os detritos na fita > aplicar a fita no vidro > descer da mesa >> (procedimento repetido, iniciado o processo de marcação no vidro superior esquerdo e terminado no vidro inferior direito). Na base destas acções compostas podemos encontrar acções de base, como subir, apoiar, agarrar, puxar, desenrolar, estender, rasgar, justapor, transportar, sobrepor, colar, baixar, levantar, descer.

dois
No plano da monitorização, e num primeiro momento, foi documentada a lavagem da janela [(várias sequências fotográficas e fílmicas (ex. filme s/ som com duração de 1´35´´)], documento periférico relativamente ao processo.
Antes de empreender a acção, foi fotografado o parapeito (evidenciando os resíduos), a janela, a mesa, o relógio e a fita adesiva. Uma vez finalizada a acção, foi fotografado o objecto resultante. Noutros exercícios experimentei articular os planos de acção e de monitorização de forma diferente, intercalando-os, desenvolvendo-os com maior ou menor exaustão; aqui, o registo visual antecedeu e sucedeu o conjunto de actos, numa assistência documental mínima.

2008,ER

http://www.youtube.com/watch?v=B-I2KotxnBc